Iran


CONTO por: 
tadeo zuzek

Escrito eM: 
Boipeba, Bahia, Brasil

O rio é como um espelho. Sobre ele, raízes verticais surgem altas, entrelaçadas como cobras ou dedos de criaturas medonhas, suavemente iluminadas pelo céu roxo do por do sol. O reflexo na água dança lentamente de um lado para o outro em um movimento hipnótico ao ritmo do barco que avança devagar. Somente o som do remo quebra o silêncio absoluto do anoitecer no mangue.


"Daqui parte o caminho do Aqueronte..." o loiro balbucia observando as árvores da margem. São dois homens que levam a canoa, à frente um português de cabelo loiro desgrenhado e olhos claros de susto e outro atrás, careca e atarracado com dedos grossos e pele escura. "A entrada já está próxima, é um atalho para cortar a curva do rio." diz o outro.


Entre as árvores da beira esquerda, uma pequena abertura de água escura entra pelo mangue. Os homens viram o barco e vão entrando lentamente, abaixando a cabeça para desviar dos galhos retorcidos que atravessam o caminho. As raízes cortadas por pedras afiadas apenas abrem uma passagem estreita para uma canoa pequena. "Ê pá, tens mesmo certeza que é seguro navegar por aqui?" pergunta o loiro. "Calma amigo, é um atalho rápido" responde o outro.


O silêncio do mangue parece crescer à medida que o céu escurece. Na penumbra das árvores baixas, a luz pálida da lua crescente projeta sombras fracas na água. Ao redor da canoa, o mangue se entrelaça infinitamente em nós tortos e raízes que quase parecem se mover na escuridão, como seres misteriosos à espreita de presas fáceis. No caminho sinuoso, o barco faz uma curva à esquerda.


"Contam na vila que os índios daqui comem gente." diz com o loiro com voz trêmula. "Comem-nos com banana e leite de coco". O outro esboça um sorriso discreto: "Eles caçam no lodo do mangue, escondidos como caranguejos. Veem tudo da escuridão e atacam com flechas afiadas como pedras de coral." O loiro fecha os olhos e se cruza três vezes sussurrando uma oração baixa.


O caminho faz uma curva à direita e um pouco de luz parece iluminar por entre as árvores. "Estamos chegando à saída!" exclama o loiro aliviado. "Ainda não, mas falta pouco." responde o outro. O remo bate na água e pequenos pontos azuis se iluminam no rio. As gotas se espalham e brilham como centenas de vagalumes. Cada movimento na água desperta as luzes mágicas que parecem refletir o céu estrelado. O português arregala os olhos e as observa com fascínio.


O caminho vira à esquerda. As raízes se movem enquanto o loiro estica o pescoço tentando ver o que aparece depois da curva. Um farfalhar rápido nas árvores o assusta e num salto ele quase vira o barco. "Ah, são os selvagens canibais!", exclama. "São só pássaros, meu amigo", o outro o acalma. "Mas fique esperto, neste mangue anda todo tipo de criatura. Ouvi falar que por aqui vagam mulas sem cabeça, boitatás e lombisomes. Quem se perde por aqui nunca encontra o caminho de volta para casa." O loiro se cruza novamente e olha para o céu com angústia.


Na escuridão da noite, o caminho faz curva à direita. As cores nebulosas, o som suave do barco, as luzes mágicas e o infinito desenrolar das árvores sinistras formam um ambiente etéreo, como se a água servisse de limiar entre dois mundos. "Quando eu era criança, meu pai me trazia para cá catar caranguejo." diz o outro. "Você tem que andar entre as raízes e enfiar o braço até o cotovelo no lodo para conseguir pegar um. São grandes assim..." e mostra uma distância de dois palmos entre as mãos abertas. "Eu vinha aqui com meu pai e meus 27 irmãos. Um dia, me afastei muito do barco e me perdi. Meu pai dava um grito alto e grave para nos chamar para voltar, mas eu estava tão longe que não ouvi, então ele foi embora. Quando caiu a noite, percebi que estava sozinho. Tinha frio e fome, mas pior ainda era o medo dos lombisomes. Chorei e gritei no mangue, mas ninguém me ouviu. Subi num galho de árvore e dormi ali olhando a lua, molhado e tremendo com o tronco áspero arranhando as minhas costas. Foi nesse momento que aprendi a respeitar o mangue."


O caminho faz uma curva à esquerda. "Seu pai nunca voltou a buscá-lo?" pergunta o loiro, perplexo. O outro não responde. As raízes passam de um lado e do outro, como braços contorcidos na direção do barco. À distância, a voz de uma criança canta uma melodia estranha com letra em um idioma desconhecido. O céu completamente escuro dá mais brilho às luzes azuis da água que acompanham o movimento do remo. "Trouxe o pagamento do passeio?", pergunta o outro. "Sim, trouxe cá uma moeda na boca...", responde o loiro: "E só agora percebo que nunca me disseste teu nome." O outro não responde, mas no escuro seus olhos reluzem com um breve fulgor de cor azul como as luzes da água. O caminho faz outra curva à esquerda.

Vamos a charlar?

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