"Vamos para a praia mais bonita do mundo?", disse Rafa, já com a bicicleta na mão e uniformizado de boina, óculos escuros e sorriso na cara barbuda. A manhã raiava com um sol bonito de verão caribenho, o que tornava impossível negar o convite. Pela primeira vez em anos, subi numa bike e saí atrás dele. "A gente chega em uns 15 minutos, é tranquilinho!", disse, me tranquilizando. As primeiras pedaladas vinham pesadas, mas logo fui me acostumando.
Entre os carros, seguimos pela avenida principal da cidade que logo se transformava na estrada para o norte. A bicicleta fixa exigia 5 pedaladas para cada metro que andava e o esforço se fazia maior a cada minuto. O sol, que da sombra parecia bonito, agora castigava minha cabeça descoberta e minhas costas molhadas, mas nada disso parecia incomodar Rafa, que seguia em ritmo constante à minha frente, cada vez mais longe. Me concentrei e foquei na respiração: "um, dois... um dois...", repetia mentalmente enquanto empurrava com as pernas magras e sem prática aqueles pesados pedaizinhos.
Levantei a vista e vi Rafa parado na sombra da única árvore do caminho. Afobado, cheguei e desci da bicicleta. "Calor, né?". Só pude responder com uma ofegada e um aceno de cabeça que pingava suor. Tomei um gole da água quente que ele tinha na mochila e respirei fundo. "Falta pouquinho, vamos indo que logo chegamos pra aproveitar enquanto é cedo!", montou na bike e saiu na frente. Olhei fixo para o horizonte e, convencido de que logo me acostumaria, voltei a pedalar.
A estrada se abria larga para os lados, onde só havia alguma vegetação rasteira incapaz de fazer qualquer sombra no meio dia do caribe mexicano. O maravilhoso e opressivo céu azul estava limpíssimo e o sol brilhava com uma luz que cozinhava lentamente meu corpo inteiro. O calor se levantava do asfalto e fazia trepidar a linha do horizonte. "Um, dois... um dois..." e gotejava lentamente pela estrada.
Levantei a vista e Rafa já era pequenininho lá na frente. Ele seguia um ritmo constante e nem parecia sentir o calor, com alegria e tranquilidade seguia pedalando, pedalando, pedalando e ficando menor e menor. Olhei para baixo, respirei com força e acelerei o passo, focado na rua que passava mais rápida por baixo das rodas. "Porra, Rafa, 15 minutos?!", pensei revoltado. Já não sabia se fazia 1 hora ou 1 mês que estava agonizando naquela bicicleta. Voltei a olhar pra frente e Rafa agora tinha se tornado um pequeno pontinho no horizonte que trepidava junto com o ar quente que subia do chão. Tremendo e diminuindo, foi ficando menor, menor e menor até que desapareceu.
Com sofrimento e persistência, depois de mais uns bons minutos, finalmente cheguei à entrada para o mar. Desci da bicicleta empolgado e parti para a areia branca, mas não encontrei o Rafa. Não importava, a praia era realmente a mais bonita do mundo. As pedras em círculo transformavam a água numa piscina turquesa, linda e fresca, na qual nadei por horas. Sentei à sombra na beira do mar para observar a beleza que não terminava de transbordar meus olhos. A brisa fresca logo me fez esquecer todo o sofrimento que o asfalto tinha me exigido pra chegar até ali. Se algum lugar valia a pena, era este. Passei uma belíssima tarde no paraíso antes de pensar em pegar a estrada de volta.
Ao fim do dia, emocionado, me levantei, busquei a bicicleta e voltei para a estrada. Antes de pegar o caminho de volta, perguntei do Rafa aos guardinhas que cuidavam a entrada. "Não vimos ninguém assim passar por aqui hoje", me responderam, confusos. Intrigado, subi na bike e voltei para a cidade.
Aquela foi a última vez que vi o Rafa. Correm boatos de gente que também o viu pedalando a mesma bicicleta pelas praias de Cuba, pelas estradas da Colômbia ou pelas planícies da Patagônia, mas ninguém nunca soube seu paradeiro. Dizem que vaga perdido pela América Latina, constantemente guiando mochileiros solitários aos mais belos lugares que se pode imaginar neste vasto continente escondido.